Poema- O mar de correntes

Todos admiram o preto no palco, mas poucos suportam ver a pele preta na rua. Apreciam a força, o ritmo, o talento, mas rejeitam a verdade que a pele carrega. Colocaram correntes em quem já tinha asas. Roubaram nomes, apagaram línguas, silenciaram os deuses. E ainda disseram que estavam “civilizando”. Não eram escravos. Eram reis, rainhas. Guardiões do saber antes que o mapa tivesse contornos. Hoje dizem Foi no passado. Mas o passado nunca partiu. Apenas aprendeu a se disfarçar. Veste farda, veste terno e veste silêncio. O chicote virou estatística. A senzala virou periferia. O navio negreiro virou sistema. E a escravidão, oportunidade negada. O corpo negro é confundido com perigo. A palavra negra ainda vale menos. O sangue preto seca antes de escorrer nas manchetes. A história negra foi editada com tesoura branca. A mulher negra? Foi usada. Depois esquecida. Mas carrega nos ombros os filhos do mundo e ainda sorri com dignidade que o mundo não reconhece. Quem defende meritocracia nunca ...