Poema- O mar de correntes


Todos admiram o preto no palco,
mas poucos suportam ver a pele preta na rua.
Apreciam a força, o ritmo, o talento,
mas rejeitam a verdade que a pele carrega.

Colocaram correntes em quem já tinha asas.
Roubaram nomes, apagaram línguas, silenciaram os deuses.
E ainda disseram que estavam “civilizando”.

Não eram escravos.
Eram reis, rainhas.
Guardiões do saber antes que o mapa tivesse contornos.

Hoje dizem
Foi no passado.
Mas o passado nunca partiu.
Apenas aprendeu a se disfarçar.
Veste farda, veste terno e veste silêncio.

O chicote virou estatística.
A senzala virou periferia.
O navio negreiro virou sistema.
E a escravidão, oportunidade negada.

O corpo negro é confundido com perigo.
A palavra negra ainda vale menos.
O sangue preto seca antes de escorrer nas manchetes.
A história negra foi editada com tesoura branca.

A mulher negra?
Foi usada.
Depois esquecida.
Mas carrega nos ombros os filhos do mundo
e ainda sorri com dignidade que o mundo não reconhece.

Quem defende meritocracia
nunca começou a corrida com os pés acorrentados.
Nunca precisou ser duas vezes melhor
para ser visto como quase igual.

Negro não é moda.
É cicatriz exposta em vitrine de indiferença.
Negro não é tendência.
É eco do que tentaram silenciar por séculos.

Não se trata de vingança.
Trata-se de justiça.
De memória.
De coragem para parar de fingir
que está tudo bem quando ainda se morre por ser negro.

Quem não sente nada ao ler isso
já escolheu o lado da omissão.
Mas quem engole em seco,
quem  cala diante da dor,
quem chora em silêncio,
ainda pode ser salvo.

Negro não é cor.
É prova viva de que o ouro pode habitar a pele
e ainda ser tratado como poeira.

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